Por
um trisco não aconteceu uma tragédia na Ocupação Wiliam Rosa ontem à noite.
Nota
de frei Gilvander Moreira, da CPT.
A
Ocupação Wiliam Rosa não foi despejada ontem à noite, dia 01/11/2013. Por um
trisco não aconteceu uma tragédia na Ocupação, sob ataque da polícia de Minas,
mas o povo está firme, de cabeça erguida, para continuar a luta. Mas o que
aconteceu ontem à noite lá na Ocupação Wiliam Rosa foi muito grave. Riscaram
fósforo ao lado de um barril de pólvora. Temos que tirar muitas lições, todos:
policiais, comandantes, autoridades, juízes, TJMG, prefeitos, governador,
presidenta Dilma, lideranças, o povo das Ocupações e todos nós. Vamos aos fatos
e a algumas luzes.
Ontem,
dia 01/11/2013, sexta-feira, à noite, por volta das 21:40h, recebi um
telefonema de uma das lideranças da Ocupação Wiliam Rosa, que está com 3.900
famílias sem-terra e sem-teto – www.ocupacaowilliamrosa.blogspot.com.br
-, localizada próximo ao CEASA – em terreno que “pertence” ao CEASA -, em
Contagem, região metropolitana de Belo Horizonte, MG. Desesperado, via celular,
gritava: “Frei Gilvander, pelo amor de
Deus, socorro! A Polícia de Minas Gerais com tropa de choque - uns 300
policiais - está atacando a Ocupação Wiliam Rosa, jogando bombas no meio das
barracas de lona preta, dando tiros e jogando gás lacrimogêneo do helicóptero. Chegou
alguém gritando que, ao correr das bombas, passou por cima, de uma pessoa
caída, que parece estar morta.” Perguntei: “Tem oficial de justiça aí?” “Não
tem.” “Estão despejando a Ocupação?”,
indaguei. “Parece que é início de
despejo, mas não sabemos a intenção da polícia.”
Liguei
para outra liderança que me repassou a mesma versão. Soluçando por causa do gás
lacrimogênio, essa liderança, com a voz embargada, chorando, me disse: “Frei Gilvander, pelo amor de Deus, socorro.
Venha nos ajudar. E chame quem puder
vir.”
Divulguei,
via celular e facebook, uma mensagem com o “conteúdo”, acima, e, junto com uma
advogada popular, fomos correndo para a Ocupação, enquanto telefonávamos para
lideranças. Consegui falar com o dep. Rogério Correia (PT/MG), que conversou,
via celular, com a Cel. Cláudia, comandante de policiamento de Belo Horizonte,
fiquei sabendo às 23:42h quando consegui falar, via celular, com a Cel. Cláudia,
que, aliás, via telefone, me repassou a versão da polícia e disse estar
disposta a conversar pessoalmente.
Quase
dois quilômetros da Ocupação Wiliam Rosa, na Avenida Severino Balesteros, havia
um bloqueio da polícia. Apresentei-me aos policiais que bloqueavam a avenida e
disse que a advogada e eu estávamos indo para ajudar na intermediação do
conflito. O soldado disse que me conhecia, mas que teria que obter ordem para
deixar a advogada e eu passarmos de carro. Esperamos uns 15 minutos e a
resposta foi que um tenente não tinha autorizado nossa entrada de carro. Após
insistência nossa, o policial falou, via rádio, com outro comandante que
autorizou nossa entrada. Andamos uns 500 metros e eis outra barreira da PM.
Explicamos a um policial que estava com uma “espingarda” em punho que tínhamos
obtido autorização para chegar à ocupação. Ele grosseiramente me respondeu: “Você poderia ser o papa, mas aqui não passa
ninguém.” Tivemos que deixar o carro e continuar a pé mais 1 Km até chegar
ao epicentro da Ocupação que é muito grande: 3.900 famílias, sem contar outras
2.000 famílias que estão na fila de espera.
Nos
dois bloqueios ouvimos de policiais que uma viatura teria sido queimada,
notícia desmentida por todas as pessoas que perguntamos na ocupação. Aos
motoristas que insistiam em continuar pela Avenida, um policial dizia: “Está proibido transitar por aqui. Se você
for por aqui, vão apedrejar seu carro.” Eis duas mentiras - entram muitas
outras que policiais disseminam contra o povo das ocupações - que acirram os
ânimos, caluniam e difamam os pobres que justamente, por necessidade, estão
lutando por um direito humano elementar: o direito de morar com dignidade.
Na
Ocupação, mostraram-nos muitos destroços de bombas jogadas pela PM no meio dos
barracos de lona e vimos pessoas feridas, por exemplo, uma senhora com marcas
nas costas atingida por bala de borracha, um senhor com o joelho machucado e notícia de
que algumas pessoas foram presas. Ouvimos que às 13:00h de ontem (01/11/2013),
o povo da Ocupação Wiliam Rosa iniciou uma Marcha até a sede da Prefeitura de
Contagem. Foram 18 Kms a pé por solidariedade ao povo da Ocupação Tupã – mais de
200 famílias - que, após serem despejados pela tropa de choque de MG, está
acampado em frente à Prefeitura de Contagem. Marcharam também para cobrar do
prefeito de Contagem, Carlin Moura (PCdB) compromisso com resolução do grave
conflito social que é a falta de moradia para milhares de famílias no
município. Mas o prefeito Carlin Moura não recebeu nem uma Comissão de
representantes das duas ocupações. Assim a indignação aumentou, é óbvio. O povo
voltou marchando outros 18 Kms e trancou a BR 040 nos dois sentidos, próximo ao
CEASA. Claro que o engarrafamento se tornou grande. A polícia federal
rodoviária não se opôs à manifestação, mas a PM de MG logo começou a pressionar
para que as vias de acesso à BR 040 fossem desbloqueadas. Alguns motoristas
exaltados criaram animosidade. O povo ouvindo insultos de policiais, além de
manter o bloqueio da BR 040, bloqueou também a Av. Severino Balesteros
Rodrigues, Bairro Laguna, ao lado da Ocupação Wiliam Rosa.
Policiais
iniciaram pressão para liberar o bloqueio da Av. Severino. O povo discordou e
resistiu. Um comandante deu um minuto para liberar a avenida e logo em seguida
iniciou uma chuva de bombas, de tiros de “bala de borracha”, segundo a Cel.
Cláudia, e a jogar gás de pimenta a partir do helicóptero da PM que sobrevoava
em voos rasantes disseminando terror e pânico em crianças, mulheres, idosos e deficientes.
Aí o pânico se instaurou. Ouvimos que jogaram pedra na polícia também. Normalmente
os pobres jogam pedra na polícia somente após serem atacados. Muitas pessoas
lutaram para apagar incêndios em barracas incendiadas pelas bombas jogadas por
policiais. E, segundo relatos, policiais atiraram nas pessoas que tentavam
apagar o fogo em várias barracas. Por pouco não alastrou um grande incêndio na
Ocupação.
Em
poucos minutos dezenas de militantes foram acionados e foram correndo para
expressar apoio à Ocupação Wiliam Rosa.
Um
trio contra o povo: Terreno do CEASA/Governo Federal, Polícia de MG e
prefeitura de Contagem, do PCdB. Assim não dá. É injustiça e temeridade.
Felizes
os que leem os sinais dos tempos e dos lugares. O sinal vermelho já acendeu. Primeira
lição: As 3.900 famílias da Ocupação Wiliam Rosa, assim com as 8.000 famílias
das Ocupações Rosa Leão, Esperança e Vitória, na região do Isidoro, em Belo
Horizonte, não vão aceitar jamais serem despejadas, SEM O ESTABELECIMENTO DE
UMA MESA DE NEGOCIAÇÃO SÉRIA E À ALTURA DO CONFLITO, até porque não tem para
onde ir, estão organizados e conscientes dos seus direitos. Dr. Francisco
Alves, Juiz Federal em Pernambuco, irmão do nosso saudoso professor Fábio Alves,
informou-nos que só expede Liminar de reintegração de posse, após entregarem a
chave da casa/apto para onde as famílias vão mudar. Ou seja, reintegração de
posse só possível e justa com alternativa digna.
Segunda
lição: O único caminho a ser trilhado para superarmos o gravíssimo conflito
social que envolve diretamente as 12.000 famílias dessas quatro ocupações –
Wiliam Rosa, Rosa Leão, Esperança e Vitória -, é a ABERTURA DE UMA MESA DE
NEGOCIAÇÃO, diálogo e busca conjunta de soluções justas e pacíficas, Mesa que
deve ser integrada por representantes das ocupações, representantes dos
movimentos sociais populares que acompanham essas ocupações, prefeito Carlin Moura
(de Contagem, MG), prefeito Márcio Lacerda (de Belo Horizonte), Governo de
Minas, Governo Federal, Ministério Público da área de Direitos Humanos e de
Assuntos comunitários, Defensorias Públicas de MG e da União, TJMG e Rede de
Apoio.
Belo
Horizonte, MG, Brasil, 02 de novembro de 2013, às 10:30hs.
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