Ministério Público
pediu em Pareceres a suspensão das liminares de reintegração de posse das
Ocupações-comunidades Rosa Leão, Esperança e Vitória.
Síntese feita por frei Gilvander Moreira.
O
Ministério Público (MP) do Estado de Minas Gerais, através da
Promotoria de Justiça de Defesa dos Direitos Humanos, Controle Externo, Apoio
Comunitário e Conflitos Possessórios Urbanos Coletivos, em PARECERES enviados à Juíza Luzia Divina, da 6ª Vara de Fazenda
Pública Municipal, dia 22 de outubro de 2013, exigiu a suspensão das liminares
de reintegração de posse das Ocupações Rosa Leão, Esperança e Vitória, na
região do Isidoro/Granja Werneck, em Belo Horizonte, MG.
A juíza Luzia Divina concedeu Liminar de
reintegração de Posse e, em seguida, determinou a reunião dos processos
0024.13.304.260-6, 0024.13.313.504-6, 0024.13.242.724-6 ao processo 0024.13.297.889-1,
tendo ainda ordenada a expedição de mandado único para cumprimento em toda a
área envolvida nos processos referidos. Ou seja, a juíza Luzia Divina mandou
despejar as Ocupações Rosa Leão, Esperança e Vitória de uma só vez,
conjuntamente.
Os Pareceres do MP versam sobre quatro
processos: um sobre a Ocupação-comunidade Vitória (4.500 famílias), outro sobre
a Ocupação-comunidade Esperança (2 mil famílias) e outros dois sobre a
Ocupação-comunidade Rosa Leão (1.500 famílias). No total, nas quatro ocupações
estão cerca de 12 mil famílias, ou seja, mais de 40 mil pessoas.
Um processo, o de
nº 0024.13.297.889-1,
trata de ação de reintegração de posse com pedido de liminar proposta por PAULO
HENRIQUE LARA ROCHA, MARIA DA CONSOLAÇÃO ROCHA FARIA e REGINA APARECIDA LARA
ROCHA DE FARIA, em área do Bairro Jaqueline-Zilah Sposito, com 290.000 m².
Outro processo, o de nº 0024.13.304.260-6, trata de ação de reintegração de posse com pedido de
liminar proposta por GRANJA WERNECK S/A, em área do Bairro
Jaqueline-Zilah Sposito, com 2.780.980 m². Sobre esse Processo,
que versa sobre Ocupação Vitória e Esperança (?), o Ministério Público diz: “No
âmbito jurídico-processual, a autora (a
empresa Granja Werneck S/A) nem sequer demonstrou a posse da área, já
que se trata de reintegração e não reivindicatória. Em regra, falta interesse
processual ao proprietário que demanda na via possessória sem que demonstre a
condição de possuidor. Nestes termos, caberá a extinção do processo sem
resolução do mérito (art. 267, VI, CPC).
Diz a promotora, Dra. Cláudia Spranger: “Quanto
ao mega projeto aludido na exordial, muito embora as diversas vantagens
elencadas, inúmeros grupos respeitados e sérios no âmbito acadêmico veem
enfrentando o tema e questionando algumas das propostas do Poder Público e da
empresa autora, inclusive há a participação da Procuradoria da República de
Direitos Humanos em algumas intervenções do projeto. Ademais, o fato de existir grande projeto no papel, não significa que a empresa autora possui a posse da
área, que, segundo se debate, inclusive em audiências públicas, estava
abandonada.”
A promotora Dra. Cláudia Spranger revela a
hipocrisia e o cinismo da Prefeitura de Belo Horizonte e da COPASA relativo à
questão ambiental. Diz ela: “No que tange ao problema ambiental mencionado pela
autora, é de se estranhar o cuidado na presente ação com o meio ambiente, visto
que no bairro vizinho, Tupi Mirante, tanto o Município quanto à COPASA estão
sendo negligentes ao permitir que o esgoto de toda uma comunidade seja
despejado no Isidoro, conforme o Ministério Público vem apurando nos autos da
notícia de fato nº MPMG
0024.13.000.533-3.”
Um terceiro
processo, o de nº 0024.13.313.504-6, trata de ação de reintegração de posse com
pedido de liminar proposta por ANGELA MAIA FURQUIM WERNECK, em área do Bairro
Jaqueline-Zilah Sposito, com 44.228 m².
O quarto processo,
o de nº 0024.13.242.724-6,
trata de ação de reintegração de posse com pedido de liminar proposta pela
Prefeitura de Belo Horizonte em área do Bairro Jaqueline-Zilah Sposito, com 36.632,46 m², quadra 107.
Alude a PBH que o imóvel possui função sócio-ambiental e é área de preservação
permanente, em razão da existência de recursos hídricos, com vegetação nativa e
espécies arbóreas.
De saída a promotora denuncia a NULIDADE
DE CITAÇÃO POR EDITAL. Alega a
Prefeitura de Belo Horizonte que a citação necessita ser por edital, em razão
do número incerto de réus. É
sabido que no direito processual pátrio a citação por edital é utilizada em
situações raríssimas, assim mesmo após a tentativa de citação in locu. Reza o art. 231 do CPC que a citação por edital será determinada quando o
réu estiver em local ignorado, incerto ou for desconhecido. A melhor doutrina e
jurisprudência pátria não admitem tal citação, salvo após tentativas frustradas
da citação pessoal – regra no direito processual.
Ora, os membros da
ocupação em apreço já participaram de inúmeras reuniões com o Poder Público,
inclusive com o Prefeito Municipal dia 30 de julho de 2013. O Poder Público conhece os líderes do
movimento e não há qualquer razão fática ou jurídica para que a citação seja
efetuada via edital. Ademais, não é muito destacar que, se pretende a
desocupação da área, caberia ao Município de Belo Horizonte quantificar,
precisar e nominar todos os ocupantes do local.
Assim, sob pena
de ocorrer nulidade, requer o Ministério Público que seja indeferida, por ora,
a citação por edital, providenciando a Prefeitura de BH os nomes para que sejam
realizadas as citações pessoais, nos termos da melhor doutrina e
jurisprudência.
A ação judicial em apreço está inserida em um
contexto social e jurídico muito mais amplo e complexo, dentro do qual se
discutem questões relacionadas ao direito fundamental à moradia de outras
centenas de famílias que residem ou residiam, em condições semelhantes na mesma
região de Belo Horizonte.
A promotora do Ministério Público Dra.
Cláudia Spranger, nos pareceres, destacou: “Cumpre complementar que, além da
presença de considerável contingente de crianças, adolescentes e idosos no
local, o estado de vulnerabilidade social dessas famílias e a natureza coletiva
do conflito evidenciam, indiscutivelmente, o interesse deste Órgão ministerial
em intervir na presente ação. Isso porque o Ministério Público, como
instituição dotada de atribuições para defender a ordem jurídica, o regime
democrático, os interesses sociais e individuais indisponíveis, bem como para
tutelar os interesses coletivos e difusos, tem a incumbência de buscar o
respeito aos bens, direitos e interesses em jogo, promovendo, para tanto, as
medidas cabíveis e necessárias para o alcance do seu escopo institucional.
“O déficit habitacional de Belo Horizonte,
que reflete uma situação nacional, faz com que um elevado número de famílias se
estabeleça em áreas irregulares e de modo precário. Essa parcela da população,
para a qual é negligenciado o acesso a diversos direitos fundamentais, tem sido
alvo frequente de despejos forçados, sem qualquer alternativa de realojamento
das famílias. Por outro lado, observa-se o crescimento da população em situação
de rua nos centros urbanos.”
A promotora dos Direitos Humanos recordou que
a Relatoria Especial da ONU para o Direito à Moradia Adequada manifestou-se no
sentido de que “inúmeras remoções já foram executadas sem que tenha sido
dado, às pessoas atingidas, tempo suficiente para discussão e proposição de
alternativas, e sem planos adequados para o reassentamento. Além disso, pouca
atenção é dada ao acesso à infraestrutura, serviços e meios de subsistência nos
locais propostos para realocação”[1].
A promotora Dra. Cláudia Spranger pediu nos
quatro processos a SUSPENSÃO DA LIMINAR DE REINTEGRAÇÃ ODE POSSE E O RECOLHIMENTO
DE MANDADO JUDICAIL DE REMOÇÃO.
Destemida e com muita sensatez a promotora
Dra. Cláudia Spranger faz um alerta: “A liminar deferida pela juíza Luzia
Divina, da 6ª Vara Pública Municipal de BH, é extremamente preocupante, diante
da existência de milhares de famílias no local.
Constata-se das vistorias ora anexadas que o cumprimento de mandado de
reintegração sem as devidas cautelas
trarão enorme prejuízo à cidade, caos urbano e, principalmente, descrédito do
Judiciário.”
Ressalta-se que a situação em tela não se
trata de um “simples esbulho” como quer fazer parecer o Autor em sua inicial.
Trata-se de ocupação próxima a outras já consolidadas e existentes (Zilah
Spósito por exemplo), SENDO QUE O PODER PÚBLICO, NA PESSOA DO PREFEITO
MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE, NO MÊS DE JULHO, ASSINOU ACORDO EM QUE ESTÁ
PREVISTO A ABERTURA DE DIÁLOGO ENTRE MUNICÍPIO E OCUPAÇÕES.
Dra. Cláudia Spranger põe o dedo na ferida: “Decorridos
meses sem qualquer aceno do Poder público no sentido de honrar o acordo
celebrado, o que se percebe é a truculência e a arbitrariedade do Município, in casu, com possibilidade de perigosa
consequência, diante de centenas de famílias residentes no local.”
Reafirma a promotora: “No âmbito jurídico-processual,
os autores nem sequer demonstraram a posse da área, já que se trata de
reintegração e não reivindicatória. Em regra, falta interesse processual ao
proprietário que demanda na via possessória sem que demonstre a condição de
possuidor. Nestes termos, caberá a extinção do processo sem resolução do mérito
(art. 267, VI, CPC).”
“Se o possuidor, em qualquer momento, deixa
de exercer os atos próprios e caracterizadores da posse, a própria posse, como
situação fática, deixa de existir em sua esfera de interesses, afastando, por
via de consequência, e por isso mesmo, a tutela possessória em seu favor.
Assim, se outra pessoa toma posse da coisa quando o anterior possuidor deixou
de exercer efetivos atos de posse sobre ela, ou não os está assim exercendo,
aquele não ofende posse deste e nem pratica, em relação a ele, esbulho
possessório.” (Moacir Adiers, “A posse a tutela possessória”, p. 46).
Assim,
urgente a designação de audiência prévia e a suspensão imediata da liminar de
reintegração concedida.
Calmon de Passos em texto memorável
(“Processo e Democracia” in Participação e Processo, coord. Ada
Pellegrini Grinover e outros, SP, Ed. Rev.Trib., 1988, p.83) afirma que “inexiste
pureza no direito” e que “o jurídico coabita, necessariamente, com o
político e com o econômico”. Daí,
segundo o renomado autor, não constituir “despropósito associar-se processo
a democracia”.
“Essa reflexão adquire relevo neste momento
em que nosso País se dispõe a reformular sua organização política e econômica,
modernizando-a na direção quase unanimemente apontada como a comprometida com o
futuro: a da democracia participativa”. (ob. cit.)
Desta forma o processo “revestiu-se do
caráter de garantia constitucional” e deveria “funcionar como o
instrumento de que se vale o cidadão, mais que isso, todo sujeito de direito,
para assegurá-la, quando ameaçada ou efetivamente atingida por atos
desautorizados tanto do poder público quanto dos particulares” (ob. cit).
Como bem expressado pelos renomados autores
Cristiano Chavesde Farias e Nelson Rosenvald: “Todavia, diante de um conflito
agrário derivado de ocupação de terras por um complexo de famílias, a resolução
da demanda deverá levar em consideração novos ingredientes, sobremaneira
direitos fundamentais. Nota-se que o Poder Judiciário posiciona-se, de regra,
de maneira tradicional, fundando-se as decisões (liminares e meritórias) na
presença dou não dos requisitos do art. 9227 do Código de Processo Civil,
olvidando argumentos de índole constitucional.
“O ponto de partida para uma prestação
jurisdicional pautada pela efetividade e exata ponderação entre a proteção do
direito de propriedade e o resguardo e direitos fundamentais de famílias
carentes – sobremaneira o acesso à moradia e ao mínimo existencial – será o
instrumento da mediação.” (O Ministério Público e o direito à moradia,
p. 234).
A promotora Dra. Cláudia Spranger, com
sabedoria e sensatez, assevera: “Finalmente, como agentes públicos não podemos
olvidar que a retirada de centenas de famílias de seu atual local de moradia
causará um caos urbanístico sem precedentes, na medida em que não há abrigos
para a demanda, acabando por gerar a possibilidade de famílias inteiras se
instalarem pelas ruas de Belo Horizonte em novo problema social. Em suma, está
claro que a decisão de retirada das famílias, da forma proposta, é, tão
somente, a ponta de um iceberg que eclodirá a qualquer momento.”
Reitera a promotora: “Pelo exposto, URGE que
a liminar seja suspensa, imediatamente, a fim de que medidas necessárias sejam
tomadas, dentre elas a designação de audiência de conciliação, evitando-se um
mal maior para a sociedade belohorizontina.”
Sobre o Processo nº
0024.13.313.504-6, que trata
de ação de reintegração de posse com pedido de liminar proposta por ANGELA MAIA
FURQUIM WERNECK, em área do Bairro Jaqueline-Zilah Sposito, com 44.228 m², o
Ministério Público pediu a EXTINÇÃO DO
PROCESSO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO, porque em nenhum momento da inicial e da
documentação acostada demonstrou a autora que possui a posse da área guerreada.
Tanto é verdade que a Juíza da 15ª Vara Cível, Aída Oliveira Ribeiro, primeira
Magistrada a se manifestar no feito, esboçou às fls. 101 que:
“Todavia,
diversamente do que se extrai dos autos em apenso, ainda não há prova da posse
da autora (Ângela Maia Furquim Werneck) sobre o imóvel, de forma a autorizar a
concessão da liminar pedida”.
“Se o possuidor, em qualquer momento, deixa de
exercer os atos próprios e caracterizadores da posse, a própria posse, como
situação fática, deixa de existir em sua esfera de interesses, afastando, por
via de consequência, e por isso mesmo, a tutela possessória em seu favor.
Assim, se outra pessoa toma posse da coisa quando o anterior possuidor deixou
de exercer efetivos atos de posse sobre ela, ou não os está assim exercendo,
aquele não ofende posse deste e nem pratica, em relação a ele, esbulho
possessório.” (Moacir Adiers, “A posse a tutela possessória”, p.46).
“Assim,
urgente a designação de audiência prévia e a suspensão imediata da liminar concedida,
como outrora despachado”, pede com veemência a promotora Dra. Cláudia Spranger.
Mas para espanto nosso e ira santa de
milhares de famílias que estão nas Ocupações Rosa Leão, Esperança e Vitória, a
juíza Luzia Divina até hoje, dia 12 de novembro de 2013 não despachou sobre os
PARECERES do Ministério Público com pedidos de suspensão das liminares.
Oxalá a juíza Luzia Divina, o TJMG, o Governo
de Minas, o prefeito Márcio Lacerda e a Presidenta Dilma acordem antes que seja
tarde demais. Feliz quem lê os sinais dos tempos e dos lugares. Em Belo
Horizonte e Contagem um SINAL está gritando: NÃO INSISTAM EM DESPEJAR QUATRO
OCUPAÇÕES-COMUNIDADES SEM ABERTURA DE UMA MESA DE NEGOCIAÇÃO QUE POSSA
ENTABULAR SAÍDAS JUSTAS E NEGOCIADAS QUE NÃO PASSEM POR DESPEJOS.
Belo
Horizonte, MG, Brasil, 12 de novembro de 2013
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