terça-feira, 12 de novembro de 2013

Ministério Público pediu em Pareceres a suspensão das liminares de reintegração de posse das Ocupações-comunidades Rosa Leão, Esperança e Vitória. BH, 12/11/2013.

Ministério Público pediu em Pareceres a suspensão das liminares de reintegração de posse das Ocupações-comunidades Rosa Leão, Esperança e Vitória.

Síntese feita por frei Gilvander Moreira.

O Ministério Público (MP) do Estado de Minas Gerais, através da Promotoria de Justiça de Defesa dos Direitos Humanos, Controle Externo, Apoio Comunitário e Conflitos Possessórios Urbanos Coletivos, em PARECERES enviados à Juíza Luzia Divina, da 6ª Vara de Fazenda Pública Municipal, dia 22 de outubro de 2013, exigiu a suspensão das liminares de reintegração de posse das Ocupações Rosa Leão, Esperança e Vitória, na região do Isidoro/Granja Werneck, em Belo Horizonte, MG.
A juíza Luzia Divina concedeu Liminar de reintegração de Posse e, em seguida, determinou a reunião dos processos 0024.13.304.260-6, 0024.13.313.504-6, 0024.13.242.724-6 ao processo 0024.13.297.889-1, tendo ainda ordenada a expedição de mandado único para cumprimento em toda a área envolvida nos processos referidos. Ou seja, a juíza Luzia Divina mandou despejar as Ocupações Rosa Leão, Esperança e Vitória de uma só vez, conjuntamente.
Os Pareceres do MP versam sobre quatro processos: um sobre a Ocupação-comunidade Vitória (4.500 famílias), outro sobre a Ocupação-comunidade Esperança (2 mil famílias) e outros dois sobre a Ocupação-comunidade Rosa Leão (1.500 famílias). No total, nas quatro ocupações estão cerca de 12 mil famílias, ou seja, mais de 40 mil pessoas.
Um processo, o de nº 0024.13.297.889-1, trata de ação de reintegração de posse com pedido de liminar proposta por PAULO HENRIQUE LARA ROCHA, MARIA DA CONSOLAÇÃO ROCHA FARIA e REGINA APARECIDA LARA ROCHA DE FARIA, em área do Bairro Jaqueline-Zilah Sposito, com 290.000 m².
Outro processo, o de nº 0024.13.304.260-6, trata de ação de reintegração de posse com pedido de liminar proposta por GRANJA WERNECK S/A, em área do Bairro Jaqueline-Zilah Sposito, com 2.780.980 m². Sobre esse Processo, que versa sobre Ocupação Vitória e Esperança (?), o Ministério Público diz: “No âmbito jurídico-processual, a autora (a empresa Granja Werneck S/A) nem sequer demonstrou a posse da área, já que se trata de reintegração e não reivindicatória. Em regra, falta interesse processual ao proprietário que demanda na via possessória sem que demonstre a condição de possuidor. Nestes termos, caberá a extinção do processo sem resolução do mérito (art. 267, VI, CPC).
Diz a promotora, Dra. Cláudia Spranger: “Quanto ao mega projeto aludido na exordial, muito embora as diversas vantagens elencadas, inúmeros grupos respeitados e sérios no âmbito acadêmico veem enfrentando o tema e questionando algumas das propostas do Poder Público e da empresa autora, inclusive há a participação da Procuradoria da República de Direitos Humanos em algumas intervenções do projeto. Ademais, o fato de existir grande projeto no papel, não significa que a empresa autora possui a posse da área, que, segundo se debate, inclusive em audiências públicas, estava abandonada.”
A promotora Dra. Cláudia Spranger revela a hipocrisia e o cinismo da Prefeitura de Belo Horizonte e da COPASA relativo à questão ambiental. Diz ela: “No que tange ao problema ambiental mencionado pela autora, é de se estranhar o cuidado na presente ação com o meio ambiente, visto que no bairro vizinho, Tupi Mirante, tanto o Município quanto à COPASA estão sendo negligentes ao permitir que o esgoto de toda uma comunidade seja despejado no Isidoro, conforme o Ministério Público vem apurando nos autos da notícia de fato nº MPMG 0024.13.000.533-3.”
Um terceiro processo, o de nº 0024.13.313.504-6, trata de ação de reintegração de posse com pedido de liminar proposta por ANGELA MAIA FURQUIM WERNECK, em área do Bairro Jaqueline-Zilah Sposito, com 44.228 m².
O quarto processo, o de nº 0024.13.242.724-6, trata de ação de reintegração de posse com pedido de liminar proposta pela Prefeitura de Belo Horizonte em área do Bairro Jaqueline-Zilah Sposito, com 36.632,46 m², quadra 107. Alude a PBH que o imóvel possui função sócio-ambiental e é área de preservação permanente, em razão da existência de recursos hídricos, com vegetação nativa e espécies arbóreas.
De saída a promotora denuncia a NULIDADE DE CITAÇÃO POR EDITAL. Alega a Prefeitura de Belo Horizonte que a citação necessita ser por edital, em razão do número incerto de réus. É sabido que no direito processual pátrio a citação por edital é utilizada em situações raríssimas, assim mesmo após a tentativa de citação in locu. Reza o art. 231 do CPC que a citação por edital será determinada quando o réu estiver em local ignorado, incerto ou for desconhecido. A melhor doutrina e jurisprudência pátria não admitem tal citação, salvo após tentativas frustradas da citação pessoal – regra no direito processual.
Ora, os membros da ocupação em apreço já participaram de inúmeras reuniões com o Poder Público, inclusive com o Prefeito Municipal dia 30 de julho de 2013.  O Poder Público conhece os líderes do movimento e não há qualquer razão fática ou jurídica para que a citação seja efetuada via edital. Ademais, não é muito destacar que, se pretende a desocupação da área, caberia ao Município de Belo Horizonte quantificar, precisar e nominar todos os ocupantes do local.
Assim, sob pena de ocorrer nulidade, requer o Ministério Público que seja indeferida, por ora, a citação por edital, providenciando a Prefeitura de BH os nomes para que sejam realizadas as citações pessoais, nos termos da melhor doutrina e jurisprudência.
A ação judicial em apreço está inserida em um contexto social e jurídico muito mais amplo e complexo, dentro do qual se discutem questões relacionadas ao direito fundamental à moradia de outras centenas de famílias que residem ou residiam, em condições semelhantes na mesma região de Belo Horizonte.
A promotora do Ministério Público Dra. Cláudia Spranger, nos pareceres, destacou: “Cumpre complementar que, além da presença de considerável contingente de crianças, adolescentes e idosos no local, o estado de vulnerabilidade social dessas famílias e a natureza coletiva do conflito evidenciam, indiscutivelmente, o interesse deste Órgão ministerial em intervir na presente ação. Isso porque o Ministério Público, como instituição dotada de atribuições para defender a ordem jurídica, o regime democrático, os interesses sociais e individuais indisponíveis, bem como para tutelar os interesses coletivos e difusos, tem a incumbência de buscar o respeito aos bens, direitos e interesses em jogo, promovendo, para tanto, as medidas cabíveis e necessárias para o alcance do seu escopo institucional.
“O déficit habitacional de Belo Horizonte, que reflete uma situação nacional, faz com que um elevado número de famílias se estabeleça em áreas irregulares e de modo precário. Essa parcela da população, para a qual é negligenciado o acesso a diversos direitos fundamentais, tem sido alvo frequente de despejos forçados, sem qualquer alternativa de realojamento das famílias. Por outro lado, observa-se o crescimento da população em situação de rua nos centros urbanos.”
A promotora dos Direitos Humanos recordou que a Relatoria Especial da ONU para o Direito à Moradia Adequada manifestou-se no sentido de que “inúmeras remoções já foram executadas sem que tenha sido dado, às pessoas atingidas, tempo suficiente para discussão e proposição de alternativas, e sem planos adequados para o reassentamento. Além disso, pouca atenção é dada ao acesso à infraestrutura, serviços e meios de subsistência nos locais propostos para realocação[1].
A promotora Dra. Cláudia Spranger pediu nos quatro processos a  SUSPENSÃO DA LIMINAR DE REINTEGRAÇÃ ODE POSSE E O RECOLHIMENTO DE MANDADO JUDICAIL DE REMOÇÃO.
Destemida e com muita sensatez a promotora Dra. Cláudia Spranger faz um alerta: “A liminar deferida pela juíza Luzia Divina, da 6ª Vara Pública Municipal de BH, é extremamente preocupante, diante da existência de milhares de famílias no local.  Constata-se das vistorias ora anexadas que o cumprimento de mandado de reintegração sem as devidas cautelas trarão enorme prejuízo à cidade, caos urbano e, principalmente, descrédito do Judiciário.”
Ressalta-se que a situação em tela não se trata de um “simples esbulho” como quer fazer parecer o Autor em sua inicial. Trata-se de ocupação próxima a outras já consolidadas e existentes (Zilah Spósito por exemplo), SENDO QUE O PODER PÚBLICO, NA PESSOA DO PREFEITO MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE, NO MÊS DE JULHO, ASSINOU ACORDO EM QUE ESTÁ PREVISTO A ABERTURA DE DIÁLOGO ENTRE MUNICÍPIO E OCUPAÇÕES.
Dra. Cláudia Spranger põe o dedo na ferida: “Decorridos meses sem qualquer aceno do Poder público no sentido de honrar o acordo celebrado, o que se percebe é a truculência e a arbitrariedade do Município, in casu, com possibilidade de perigosa consequência, diante de centenas de famílias residentes no local.”
Reafirma a promotora: “No âmbito jurídico-processual, os autores nem sequer demonstraram a posse da área, já que se trata de reintegração e não reivindicatória. Em regra, falta interesse processual ao proprietário que demanda na via possessória sem que demonstre a condição de possuidor. Nestes termos, caberá a extinção do processo sem resolução do mérito (art. 267, VI, CPC).”
“Se o possuidor, em qualquer momento, deixa de exercer os atos próprios e caracterizadores da posse, a própria posse, como situação fática, deixa de existir em sua esfera de interesses, afastando, por via de consequência, e por isso mesmo, a tutela possessória em seu favor. Assim, se outra pessoa toma posse da coisa quando o anterior possuidor deixou de exercer efetivos atos de posse sobre ela, ou não os está assim exercendo, aquele não ofende posse deste e nem pratica, em relação a ele, esbulho possessório.” (Moacir Adiers, “A posse a tutela possessória”, p. 46).
Assim, urgente a designação de audiência prévia e a suspensão imediata da liminar de reintegração concedida.
Calmon de Passos em texto memorável (“Processo e Democracia” in Participação e Processo, coord. Ada Pellegrini Grinover e outros, SP, Ed. Rev.Trib., 1988, p.83) afirma que “inexiste pureza no direito” e que “o jurídico coabita, necessariamente, com o político e com o econômico”.  Daí, segundo o renomado autor, não constituir “despropósito associar-se processo a democracia”.
“Essa reflexão adquire relevo neste momento em que nosso País se dispõe a reformular sua organização política e econômica, modernizando-a na direção quase unanimemente apontada como a comprometida com o futuro: a da democracia participativa”. (ob. cit.)
Desta forma o processo “revestiu-se do caráter de garantia constitucional” e deveria “funcionar como o instrumento de que se vale o cidadão, mais que isso, todo sujeito de direito, para assegurá-la, quando ameaçada ou efetivamente atingida por atos desautorizados tanto do poder público quanto dos particulares” (ob. cit).
Como bem expressado pelos renomados autores Cristiano Chavesde Farias e Nelson Rosenvald: “Todavia, diante de um conflito agrário derivado de ocupação de terras por um complexo de famílias, a resolução da demanda deverá levar em consideração novos ingredientes, sobremaneira direitos fundamentais. Nota-se que o Poder Judiciário posiciona-se, de regra, de maneira tradicional, fundando-se as decisões (liminares e meritórias) na presença dou não dos requisitos do art. 9227 do Código de Processo Civil, olvidando argumentos de índole constitucional.
O ponto de partida para uma prestação jurisdicional pautada pela efetividade e exata ponderação entre a proteção do direito de propriedade e o resguardo e direitos fundamentais de famílias carentes – sobremaneira o acesso à moradia e ao mínimo existencial – será o instrumento da mediação.” (O Ministério Público e o direito à moradia, p. 234).
A promotora Dra. Cláudia Spranger, com sabedoria e sensatez, assevera: “Finalmente, como agentes públicos não podemos olvidar que a retirada de centenas de famílias de seu atual local de moradia causará um caos urbanístico sem precedentes, na medida em que não há abrigos para a demanda, acabando por gerar a possibilidade de famílias inteiras se instalarem pelas ruas de Belo Horizonte em novo problema social. Em suma, está claro que a decisão de retirada das famílias, da forma proposta, é, tão somente, a ponta de um iceberg que eclodirá a qualquer momento.”
Reitera a promotora: “Pelo exposto, URGE que a liminar seja suspensa, imediatamente, a fim de que medidas necessárias sejam tomadas, dentre elas a designação de audiência de conciliação, evitando-se um mal maior para a sociedade belohorizontina.”
Sobre o Processo nº 0024.13.313.504-6, que trata de ação de reintegração de posse com pedido de liminar proposta por ANGELA MAIA FURQUIM WERNECK, em área do Bairro Jaqueline-Zilah Sposito, com 44.228 m², o Ministério Público pediu a EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO, porque em nenhum momento da inicial e da documentação acostada demonstrou a autora que possui a posse da área guerreada. Tanto é verdade que a Juíza da 15ª Vara Cível, Aída Oliveira Ribeiro, primeira Magistrada a se manifestar no feito, esboçou às fls. 101 que:
“Todavia, diversamente do que se extrai dos autos em apenso, ainda não há prova da posse da autora (Ângela Maia Furquim Werneck) sobre o imóvel, de forma a autorizar a concessão da liminar pedida”.
 “Se o possuidor, em qualquer momento, deixa de exercer os atos próprios e caracterizadores da posse, a própria posse, como situação fática, deixa de existir em sua esfera de interesses, afastando, por via de consequência, e por isso mesmo, a tutela possessória em seu favor. Assim, se outra pessoa toma posse da coisa quando o anterior possuidor deixou de exercer efetivos atos de posse sobre ela, ou não os está assim exercendo, aquele não ofende posse deste e nem pratica, em relação a ele, esbulho possessório.” (Moacir Adiers, “A posse a tutela possessória”, p.46).
“Assim, urgente a designação de audiência prévia e a suspensão imediata da liminar concedida, como outrora despachado”, pede com veemência a promotora Dra. Cláudia Spranger.
Mas para espanto nosso e ira santa de milhares de famílias que estão nas Ocupações Rosa Leão, Esperança e Vitória, a juíza Luzia Divina até hoje, dia 12 de novembro de 2013 não despachou sobre os PARECERES do Ministério Público com pedidos de suspensão das liminares.
Oxalá a juíza Luzia Divina, o TJMG, o Governo de Minas, o prefeito Márcio Lacerda e a Presidenta Dilma acordem antes que seja tarde demais. Feliz quem lê os sinais dos tempos e dos lugares. Em Belo Horizonte e Contagem um SINAL está gritando: NÃO INSISTAM EM DESPEJAR QUATRO OCUPAÇÕES-COMUNIDADES SEM ABERTURA DE UMA MESA DE NEGOCIAÇÃO QUE POSSA ENTABULAR SAÍDAS JUSTAS E NEGOCIADAS QUE NÃO PASSEM POR DESPEJOS.

Belo Horizonte, MG, Brasil, 12 de novembro de 2013




[1] Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa. Megaeventos e violações de diretos humanos.

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