MST: 34 anos de luta em MG, batismo de sangue em Felisburgo. Por Frei Gilvander Moreira[1]
Dia 12 de fevereiro é dia
histórico para o campesinato na luta pela terra: dia 12 de fevereiro de 2022 o Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), em Minas Gerais, celebrou 34 anos de
luta árdua que custou sangue e muito suor, mas teve também muitas conquistas.
Dia 12 de fevereiro celebramos também 17 anos do martírio de Irmã Dorothy
Stang, assassinada brutalmente, em Anapu, no Pará, dia 12 de fevereiro de 2005.
Após um trabalho de base de dois anos em conjunto com agentes de
pastoral da Comissão Pastoral da Terra (CPT), das Comunidades Eclesiais de Base
(CEBs) e de Sindicatos de Trabalhadores Rurais (STRs) autênticos, em Minas
Gerais, o MST cravou sua bandeira em um latifúndio pela primeira vez, na
madrugada do dia 12 de fevereiro de 1988, noite chuvosa e período de carnaval –
a polícia estaria dando segurança aos carnavalescos? -, em meio a muita tensão.
Cerca de 400 famílias ocuparam a fazenda Aruega, que se tornou o Projeto de
Assentamento (PA) Aruega[2],
no município de Novo Cruzeiro, no Vale do Jequitinhonha. Atualmente, são cerca de 6 mil famílias no MST nas terras mineiras, sendo que
destas, 1,6 mil já foram assentadas em 56 assentamentos conquistados, junto ao
INCRA[3] de MG (SR-06) e ao INCRA
de Brasília e Entorno (SR-28), responsável pelo noroeste de Minas.
Atualmente, o MST em Minas Gerais
está organizado em 15 brigadas constituídas nas nove regionais existentes em
Minas (Regional Rio Doce, Regional do Triângulo Mineiro, Regional da Zona da
Mata, Regional do Sul de Minas; Regional do Norte de Minas, Região da Região
Grande BH, Regional do Vale do Mucuri, Regional do Vale do Jequitinhonha e
Regional do Centro-Oeste de Minas), - sem contar a regional do Noroeste de
Minas - , totalizando mais de 110 áreas entre Assentamentos e Acampamentos dentro
da organicidade do MST/MG.
Reconhecendo a importância e a necessidade da
formação de base e de lideranças, entre 1991 e 1993, o MST publicou nove
“Cadernos Vermelhos”, que são imprescindíveis para a compreensão da Organização
Interna do MST. São eles: 1) Sobre o Método Revolucionário de Direção; 2) Normas
Gerais do MST; 3) Manual de
Organização dos Núcleos; 4) Como
Organizar a Massa; 5) Disciplina;
6) Alianças; 7) CHE – E os Quadros de Direção; 8) Marcha Popular pelo Brasil; 9) Documento
Básico do MST.
Se em nível nacional o Massacre de Eldorado dos
Carajás pode ser considerado um divisor de águas na luta do MST, em Minas
Gerais, o massacre de cinco Sem Terra do MST em Felisburgo banhou a mãe terra
com o sangue de seus filhos, mas fez germinar sementes de luta. Temos o dever
de manter acesa a memória dos mártires de Felisburgo que tombaram na luta pela
terra. Por isso, na celebração dos 34 anos do MST em Minas Gerais é necessário
falarmos da luta pela terra e o Massacre de Felisburgo também. É impossível compreender a atuação e o
fortalecimento do MST no Brasil sem analisar o Massacre de Eldorado e suas
repercussões na luta pela terra. Assim também não é possível compreender a luta
pela terra em Minas Gerais, a atuação e o fortalecimento do MST em Minas, sem
analisar e compreender o Massacre de Felisburgo e suas repercussões na luta
pela terra no Vale do Jequitinhonha e em todas as regiões das Minas e dos
Gerais. Nessa perspectiva apresentamos aqui um pouco da luta pela terra no
município de Felisburgo e o Massacre de cinco Sem Terra no Acampamento Terra
Prometida.
Dia 19 de agosto de 2009, o então presidente da
República Federativa do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, assinou o Decreto
que declarou de interesse social para fins de Reforma Agrária o imóvel rural
denominado Fazenda Nova Alegria – 1.182 hectares – situado no Município de
Felisburgo, Vale do Jequitinhonha, MG. O INCRA ficou autorizado a repassar o
imóvel rural de que trata o Decreto para o assentamento de 40 famílias Sem
Terra do MST. Por ironia da história, o motivo do Decreto presidencial não foi
o fato de ali terem sido massacrados cinco Sem Terra, mas foi crime ambiental cometido
pelo proprietário do latifúndio que não cumpria sua função social e era também
fruto de grilagem de terras públicas devolutas. Para entender bem o que significa
a desapropriação da Fazenda Nova Alegria, em Felisburgo, urge recordar o que
segue.
Dia 20 de
novembro de 2004, dia de Zumbi dos Palmares e da Consciência Negra, por volta
das 11h15, em um dia chuvoso, 17 jagunços, liderados pelo fazendeiro e empresário
Adriano Chafik Luedy, invadiram o Acampamento Terra Prometida, do MST, no
município de Felisburgo. Renderam um Sem Terra
que estava na guarita do acampamento e, com revólver encostado na sua orelha, o
obrigaram a soltar um foguete, que era a senha para reunir todo o povo do
acampamento em caso de ameaça ou de necessidade de se reunir com rapidez. O
povo começou a se reunir. Adriano Chafik, visto por muitos no local, liderava a
operação, perguntando “Cadê a Eni e o
Jorge?”, e ordenando “Podem atirar e
matar...”. O bando de jagunços – uns encapuzados, outros não – iniciou os
disparos. Dentro de poucos minutos assassinaram cinco Sem Terra. Todos os tiros
foram à queima-roupa. Feriram mais de 12 pessoas, incendiaram com gasolina
dezenas de barracos de lona preta, a barraca da Escola, a barraca de alimentos,
a barraca da biblioteca, barracos da Maria Gomes dos Santos (Eni) e do Jorge
Rodrigues Pereira. Uma criança de doze anos levou um tiro próximo ao olho.
Puseram gado nas lavouras dos Sem Terra. Muitos trabalhadores do acampamento
ficaram, desde então, amedrontados e portadores de alguma doença, física ou
mental, como consequência daquele crime.[4]
Assassinaram covardemente cinco Sem Terra do MST: Iraguiar Ferreira da Silva, 23 anos; Miguel José dos Santos, 56 anos; Francisco Nascimento Rocha, 62 anos; Juvenal Jorge da Silva, 65 anos; Joaquim José dos Santos, 65 anos. A perícia feita atestou que todos
os tiros foram à queima-roupa. Cada um dos camponeses assassinados recebeu
diversos tiros, um levou quatro tiros no peito, outro levou treze. Feriram
outras vinte pessoas Sem Terra.
Atearam
fogo no acampamento, reduzindo a cinzas 65 barracas de lona preta, inclusive a
barraca da escola, onde 51 adultos faziam, todas as noites, o curso de
alfabetização. O Sr. Miguel José dos Santos, por exemplo, terminaria a 4a
série primária em 2005. Pendurado no corpo do Sr. Joaquim José dos Santos,
irmão de Miguel, foram encontrados dois embornais, um com milho e outro com
feijão. Ele tinha semeado durante a manhã toda. Veio almoçar, participou da
reunião da coordenação do acampamento, mas, antes de voltar para continuar
plantando, foi barbaramente assassinado. Sr. Joaquim, um semeador de sementes crioulas,
não transgênicas, foi semeado na terra prometida. Os mártires do Acampamento
Terra Prometida não foram sepultados, foram plantados.
Escondidas no meio do mato, a polícia encontrou
treze armas usadas no massacre de Felisburgo, inclusive armas de grosso
calibre. Policiais encontraram uma nota fiscal da compra das armas e mais munição
na sede da Fazenda Nova Alegria, que era do fazendeiro Adriano Chafik. O exame de balística comprovou que as armas
apreendidas foram utilizadas na chacina. Dos 17 acusados de participação nesse
massacre, somente dois jagunços foram presos. Como todas as chacinas do Brasil,
o crime foi premeditado e anunciado.
Viva a luta, vivam as resistências e as conquistas do MST-MG, nesses 34 anos! “Que a noite escura da dor e da morte passe ligeira, que o som dos nossos hinos anime nossas consciências e que a luta redima nossa pobreza, que o amanhecer nos encontre sorridentes festejando a nossa liberdade” (Ademar Bogo – Terra Sertaneja).
15/02/2022.
Obs.: As videorreportagens nos
links, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.
1 - Acampamento
Pátria Livre, do MST, em São Joaquim de Bicas, MG: mais de 4 anos de luta, 650
famílias.
2 - Palavra Ética
na TVC-BH: Denúncia de Despejo no Quilombo Campo Grande, do MST, no sul de
MG–26/09/20
3 - Lições da
luta/resistência no Quilombo Campo Grande, do MST, sul de MG, após despejo
genocida/cruel
4 - PM de MG
bombardeando o Quilombo Campo Grande, do MST, em campo do Meio, MG: barbárie -
14/8/2020
5 - Frei Gilvander
contra despejo de famílias Sem Terra do MST em Campo do Meio, sul de MG -
07/7/2020
6 - P.A Terra
Prometida do MST em Felisburgo/MG produz alimentos saudáveis e Educação do
Campo. Vídeo 3
7 - Memória da
luta pela terra em Felisburgo/MG: P.A Terra Prometida, local do massacre de 5
Sem Terra.
8 - Sem Terra
sobreviventes do massacre de Felisburgo, MG, jamais vão aceitar despejo. Vídeo
2 12/3/20
9 - Palavra Ética
com Jorge Rodrigues e Maíra Gomes, sobreviventes do Massacre do MST, em
Felisburgo
[1] Frei e padre da
Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel
em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese
Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da
CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de Teologia bíblica no SAB
(Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG; colunista dos sites www.domtotal.com , www.brasildefatomg.com.br , www.revistaconsciencia.com , www.racismoambiental.net.br e outros.
E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br
– www.twitter.com/gilvanderluis
– Facebook: Gilvander Moreira III
[2] Sobre a
história e a trajetória dos camponeses Sem Terra assentados no PA Aruega,
confira: CARVALHO, Maria da Glória. Lutas
e conquistas de camponeses sem terra: a trajetória dos assentados da Fazenda
Aruega. (Dissertação). Lavras: UFLA, 2000; ZANGELMI, Arnaldo José. História, identidade e memória no
Assentamento Aruega – Novo Cruzeiro/MG. Dissertação (Mestrado em Extensão
Rural). Viçosa: UFV, 2007; e ZANGELMI, Arnaldo José. Traduções e bricolagens: mediações em ocupações de terra no Nordeste
Mineiro nas décadas de 1980 e 1990. Tese (Doutorado). Rio de Janeiro:
UFRRJ, 2014, principalmente os capítulos
II (Repressão, resistência e revigoramento da luta pela terra em Minas Gerais)
e III (Emergência das novas mobilizações: abrindo caminhos para as ocupações de
terra), p. 66-152.
[3] Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária.
[4] Para maiores informações e
detalhes sobre o Massacre de Felisburgo, cf. MOREIRA, Gilvander Luís. Massacre de Felisburgo: o que não pode ser
esquecido, publicado no portal
Correio da Cidadania, no seguinte link: http://www.correiocidadania.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=8370:social150513&catid=71:social&Itemid=180
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