Perguntas sobre a luta pela terra. Por Frei Gilvander Moreira[1]
Fonte da foto: Vídeo “A luta pela terra’, no youtube, canal Projeto #ColaboraEm Contexto de Brasil sob
política genocida, ecocida e hidrocida, sendo transformado em escombros, com
devastação ambiental absurda, com brutais cortes de direitos trabalhistas,
previdenciários e sociais, com hipertrofia do braço armado do Estado e atrofia
do braço social do Estado, é necessário compreendermos a luta pela terra
enquanto pedagogia de emancipação humana. Para isso, temos que enfrentar várias
questões, tais como: Como classes sociais diferentes, a classe trabalhadora e a
classe camponesa, que estão sempre mudando, precisam se emancipar de quê, como
e com quais armas/instrumentos? Será um processo longo e viável dentro das
atuais relações contraditórias do capital que devasta o trabalho emancipatório
e as trabalhadoras e os trabalhadores? “Tomam
de nós com uma pá aquilo que conquistamos suadamente com uma colher”, diz
Gilmar Mauro, da coordenação nacional do MST[2].
Que condições concretas e objetivas precisam ser criadas, e como criá-las, para
se superarem as formas produtivas do capital e se instalarem culturalmente
‘forças produtivas’ segundo os direitos sociais das trabalhadoras e dos
trabalhadores da cidade e do campo? Não será a emancipação humana uma utopia
sem base realizável? E, quais as mediações (condições específicas, ações
concretas, táticas, estratégias etc.) para realizar a emancipação humana,
social, política, econômica, cultural, religiosa e ecológica? Qual a força e a centralidade da luta pela
terra no processo de transformação social?
Não podemos buscar apenas a
emancipação das pessoas no sentido individual que, por exemplo, de sem-terra se
tornam Sem Terra, mas urge conquistarmos emancipação humana que inclui, mas
supera a emancipação política. Constatar pequenos processos emancipatórios na
luta pela terra é menos difícil, conforme demonstra Darlan Faccin Weide: “As lutas sociais do campo trazem
modificações na estrutura social e nos próprios camponeses nelas envolvidos,
facilitando o processo de emancipação das “situações-limites” em que se
encontram, transformando-os em homens ativos e confiantes na força de seus
trabalhos e no potencial de suas organizações. Aquilo que parecia um sonho já
começa a tornar-se realidade na vida de vários camponeses que vivenciaram esse
doloroso processo de emancipação e hoje estão nos assentamentos trabalhando em
associações, mutirões e cooperativas” (WEIDE, 1998, p. 47).
Ao
pesquisar a luta pela terra, em Minas Gerais, evidenciamos que sob vários
aspectos a luta pela terra, nas suas expressões concretas, está contaminada por
concepções que teoricamente a deslegitimam. Isso acontece porque os Sem Terra
estão imersos em uma sociedade capitalista, e, por isso, são atravessados o
tempo todo por concepções que desabonam a luta pela terra.
O século XX testemunhou a consolidação do campesinato brasileiro[3], que
não é constituído de camponeses com terra, mas de camponeses essencialmente
migrantes, desterrados, sem-terra na luta pela terra. A CPT e o MST surgem e se
desenvolvem no interior dos conflitos e das violências na luta pela terra,
conforme assevera Ariovaldo Umbelino de Oliveira (2007): “A luta pela terra desenvolvida pelos camponeses no Brasil é uma luta
específica, moderna, característica particular do século XX. Este século
passado, foi um século por excelência da formação e consolidação do campesinato
brasileiro enquanto classe social. É, por isso, que este camponês não é um
camponês que, na terra, entrava o desenvolvimento das forças produtivas
impedindo, portanto, o desenvolvimento do capitalismo no campo. Ao contrário,
ele praticamente nunca teve acesso à terra, é, pois, um desterrado, um sem
terra que luta para conseguir o acesso à terra. É no interior destas
contradições que têm surgidos os movimentos sócio-territoriais de luta pela
terra, e com ela os conflitos, a violência” (OLIVEIRA, 2007, p. 135).
Assunto candente: a diversidade e a necessidade de
evidenciar a complexidade adquirida pelos diferentes movimentos
socioterritoriais nas suas diferentes formas de lutas. Importante levar a sério
o alerta feito, há 35 anos, por José de Souza Martins, cientista social e
doutor em sociologia pela USP, ao dizer: “O
campo de análise constitui-se das concepções do público da demanda, mas se
constitui também de características da realidade que não são imediatamente
visíveis ao próprio público da demanda. Os dados da consciência do público da
demanda não abrangem necessariamente nem abertamente toda a verdade de sua
situação, pois muitos dos elementos desta última podem permanecer ocultos ao
homem comum por força mesmo da alienação da perspectiva desse público à
perspectiva do público que exerce algum tipo de hegemonia” (MARTINS, 1986,
p. 77-78).
Eis sete questões centrais e fundamentais: 1) Qual a força e a centralidade da luta pela
terra, como questão pedagógica, na luta e no trabalho coletivo do MST e da CPT,
em tempos temerosos e contemporâneos de mercantilização capitalista? 2) Em
que medida as trilhas do trabalho coletivo do MST e da CPT estão, de fato,
alimentando pedagogia de emancipação humana dos Movimentos Populares do Campo? 3) Quais são os fundamentos de
pedagogia histórico-crítica e emancipatória? 4) Como se constitui a
questão da propriedade da terra no Brasil? 5) Em qual esquema conceitual de
propriedade coletiva da terra se fundamentam as lutas da CPT e do MST? 6) Como a ideologia da
mercantilização, do consumismo e do individualismo solapam o processo de
emancipação ao perpassar o universo de vida de homens e mulheres na vida social
contemporânea? 7) Qual o papel
da luta pela terra na conformação das identidades, das culturas e dos valores?
Na “noite escura” que atravessamos, é imprescindível pensarmos coletivamente as questões apresentadas acima e outras para que possamos alinhar os caminhos que podem nos levar à superação da brutal espiral de violência que se abate sobre a mãe terra, a irmã água, os biomas, os povos do campo e da cidade e toda a biodiversidade. Pensar com “mãos à obra”, na luta coletiva por tudo o que é direito e justo.
Referências.
OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. Modo
de Produção Capitalista, Agricultura e Reforma Agrária. São Paulo:
Labur Edições, 2007. Disponível em http://www.geografia.fflch.usp.br/graduacao/apoio/Apoio/Apoio_Valeria/Pdf/Livro_ari.pdf
WEIDE, Darlan Faccin. Que fazer pedagógico em acampamentos de Reforma Agrária no Rio Grande do Sul. Dissertação de Mestrado em Educação. Santa Maria: Universidade Federal de Santa Maria, 1998.
17/08/2021
Obs.: Os vídeos nos links, abaixo, ilustram o
assunto tratado acima.
1 - Luta pela terra e
pela moradia, com justiça agrária e urbana (Frei Gilvander no Dom Debate)
–21/7/21
2 - Povo Indígena Kiriri, de Caldas, sul de
MG: um exemplo a ser seguido na luta pela terra – 12/12/2020
3 - Povo Kiriri e a
luta indígena pela terra em Minas Gerais - Por CPT, CEDEFES e Povo Kiriri
4 - Luta pela terra e
por moradia na pandemia. Frei Gilvander em Entrevista ao Canal SEM
EMBARGOS-7/8/20
5 - Acampamento Dênis
Gonçalves, do MST, em Goianá, MG - luta pela terra. Frei Gilvander - 26/8/2010.
6 - Palavra Ética:
Luta pela terra e por moradia em Pirapora e em Santa Luzia, MG. E L. Boff -
29/02/20
7 - MST luta pela
terra em Campo do Meio/MG desde 1998: Palavra Ética/TVC/BH c/ frei Gilvander.
17/11/18
[1]
Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG;
licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo
ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma,
Itália; agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof.
de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte,
MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com
– www.gilvander.org.br
– www.freigilvander.blogspot.com.br
– www.twitter.com/gilvanderluis
– Facebook: Gilvander Moreira
III
[2]
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.
[3] O campesinato brasileiro é
constituído por uma grande diversidade, discutida teoricamente por vários
autores, entre os quais ABRAMOVAY, Ricardo. Paradigmas do Capitalismo Agrário em Questão. 3ª ed. São Paulo:
EDUSP, 2007.
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