sexta-feira, 25 de novembro de 2016

OCUPAÇÕES DA IZIDORA NO III ENCONTRO MUNDIAL DOS MOVIMENTOS POPULARES COM O PAPA FRANCISCO, EM ROMA.

OCUPAÇÕES DA IZIDORA NO III ENCONTRO MUNDIAL DOS MOVIMENTOS POPULARES COM O PAPA FRANCISCO, EM ROMA.
Por Makota Celinha Kidevolu Gonçalves, coordenadora Nacional do CENARAB/CONEN.


A Coordenação Nacional das Entidades Negras – CONEN -, entidade a qual o Centro Nacional de Africanidade e Resistência Afro Brasileiro – CENARAB - é filiado, indicou meu nome para representar esse campo no III Encontro Mundial dos Movimentos Populares que aconteceu em Roma entre os dias 02 e 06 de Novembro de 2016. Fui na condição de Mulher Negra de Matriz Africana. Antes de ir busquei me interar de assuntos/temas que nos é muito caro em nosso país, na conjuntura atual. Estive nas Ocupações da Izidora (comunidades Rosa Leão, Esperança e Vitória), 7º maior conflito urbano no mundo, ocupações que se encontram ameaçadas de desocupação, já que a Justiça de Minas autorizou a reintegração de posse da mesma dia 28 de setembro de 2016. As 30 mil pessoas que residem nas Ocupações da Izidora são compostas em sua maioria por mulheres e homens negros, vítimas da ausência de políticas públicas para moradia, trabalho, saúde e educação. Reflexo da história de nosso país no tocante a população negra. Ali, nas ocupações da Izidora recebi a honra de ser a porta voz dessas mulheres e homens, que fazem de sua trajetória de resistência um exemplo a ser seguido. Ouvi depoimentos, vi sorrisos ainda que temerosos do futuro, ah!! O futuro. Vi crianças, e elas são muitas, vi as suas casas simples, construídas de alvenaria, que já não lembram o período da lona preta. Ouvi muitas histórias de como chegaram os primeiros fios elétricos, o material de construção. As dificuldades para abrir as ruas, enfim ouvi tantos casos e histórias, que me remeti a minha própria história e à de milhões de negras e negros, na busca por moradia digna, por cidadania. Que assumi ali, o honroso compromisso de defender as Ocupações da Izidora e seus três bairros: Rosa Leão, Esperança e Vitória. E mais encantada ainda fiquei, com a história de Izidora, a negra forra que lavava roupa no ribeirão da região e que conquistou lá três hectares de terra. A nossa história de resistência, de fato se compõe em pedaços, tal qual uma colcha de retalhos tão comuns em nosso meio, pedaços de panos aleatórios, com sua autonomia de cor, de textura, de tecido, mas que quando juntados na costura, compõem a coisa mais linda de se ver, que aquece nossos corpos cansados nas noites frias e nos garantem a segurança e o amor de mãos criativas e carinhosas.
A Izidora e sua gente negra entraram e entranharam em meu ser. Não consigo entender como um grupo de “autoridades”, que compõe o que se chama de justiça, pode simplesmente decidir que a terra, o direito à moradia, o trabalho, a saúde e a educação - princípios básicos da cidadania e da dignidade -, devem ser regidos e definidos, por quem nunca desses precisou conquistar. Sim, nossos juízes, desembargadores em sua maioria já nasceram nos berços esplêndidos de quem colonizou nosso país. São herdeiros diretos de uma elite, que há séculos está aí a viver de privilégios históricos. E a esses cabem o poder de decidir se estas 30 mil pessoas podem ou não continuarem em suas casas construídas a partir de muito sofrimento, investimento, empréstimos e solidariedade. Confesso que não entendo, como a terra que estava ali, sem uso e nem fuso, pode de uma hora pra outra, ser decretada como propriedade particular de um dono, uma terra que abriga 30 mil pessoas e seus sonhos mais íntimos, seus desejos, esperanças. Pessoas que estão ali, há três anos e meio, construindo um projeto de moradia popular coletiva.
Aceitei a tarefa de levar comigo o grito contido no peito dos injustiçados, dos homens e mulheres que lutam e resistem bravamente pela cidadania e dignidade e o sagrado direito a moradia digna. Todas e todos sabem que estaria ali, numa tarefa delegada pela CONEN, que não sou católica, mas que aposto no diálogo, na solidariedade e na justiça divina.  Levei comigo os sonhos de uma gente brava, lutadora e me senti honrada com a tarefa. Sabia e informei a todos que estava indo para um Encontro onde as dificuldades são inúmeras, muitas cabeças, muitas propostas e sonhos diversos, mas que faria o possível para levar o pedido de que todos os bons juntos, não devem se omitir, até porque em situações de extrema injustiça, a omissão nos leva para o lado do opressor. Acho que conseguimos cumprir a tarefa. Defendemos o direito a moradia, a terra e ao trabalho como bênçãos divinas, que não podem nem deve servir ao capital em detrimento da vida. A solidariedade da delegação brasileira foi fundamental para que no documento final tivéssemos pontuado a questão Izidora e o direito de na terra habitar os que nela vivem.
Foi distribuído o texto produzido para o momento, nas versões em inglês e espanhol. E entreguei aos responsáveis pelos documentos e cartas a serem entregues ao Papa, um DVD e o texto, além de uma carta da Rose de Freitas, moradora da comunidade Esperança, na Izidora. Fui a representante do Brasil, no Encontro final com Papa Francisco, mas fomos avisados que não podíamos entregar nada pessoalmente ao mesmo.
Sou uma Makota, uma mulher de muita fé e acredito em um ditado africano que nos diz que “se sozinho, se vai rápido, juntos podemos ir longe.” Por isso, acredito que a mobilização internacional, em torno do RESISTE IZIDORA, é fundamental para assegurar a estabilidade da ocupação, a garantia do direito sagrado a terra, a moradia e ao trabalho. Não podemos permitir que o sonho da moradia, da dignidade e cidadania, manche de sangue nossa Belo Horizonte. As Ocupações-comunidades da Izidora são compostas em sua grande maioria por trabalhadoras e trabalhadores que devem ter seus direitos cidadãos assegurados.
A solidariedade, a unidade, a compreensão do outro enquanto sujeito de sua própria história são fundamentais nos momentos em que a arbitrariedade teima em nos roubar a dignidade, a soberania e nossos direitos.
#RESISTE IZIDORA#
Belo Horizonte, MG, Brasil, 22 de novembro de 2016.



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