Grandes projetos, um tormento na vida
dos pobres[1]
Gilvander
Luís Moreira[2]
Vivemos um tempo
perigoso. O capitalismo, máquina de moer vidas, está funcionando a todo vapor
triturando vidas de bilhões de pessoas e de outros seres da biodiversidade.
Estamos em tempos de fundamentalismos, de céus povoados de anjos e entidades,
de demônios por todos os lados, de gritaria de deuses, de promessas, de busca
insaciável de bênçãos, de procissões, de peregrinações, de necessidade de
expiação, de moralismos, de religiões sem Deus, de salvações sem escatologia,
de cristianismos light, de
libertações que não vão muito além da autoestima. Enfim, tempos de autoajuda,
de dar um jeitinho para ir empurrando a vida.
Clamores
ensurdecedores brotam dos porões da humanidade. A mãe Terra clama para ser
salva, pois está sendo crucificada impiedosamente pelos grandes projetos
capitalistas. Medo, insegurança e instabilidade atingem a todos. Atualmente
insiste em imperar uma mística anti-evangélica do descompromisso com os pobres.
Estes, além de empobrecidos, são marginalizados, injustiçados e acusados de
serem os responsáveis primeiros pela sua situação de miséria. Inverte-se a
realidade: os verdugos tentam parecer bons samaritanos. As vítimas são
consideradas vagabundas, irresponsáveis e bagunceiras.
A estrutura de
violência e de exclusão fragmenta multidões, deixando as pessoas em cacos. É
hora de recompor os cacos em um grande e articulado mosaico. É hora de reintegrar as nossas forças e
energias vitais.
Em
2014 no Brasil, e na maioria dos países do mundo, o povo vive sob as agruras e
o tormento dos grandes projetos. Por aqui estes são executados em nome do PAC –
Programa de Aceleração do Crescimento -, no Nordeste, apelidado de Programa de
Ameaça às Comunidades. Dentre os grandes projetos do PAC, os de maior impacto
são: as grandes barragens e usinas hidrelétricas, como as de Jirau e Santo
Antônio, no Rio Madeira, em Rondônia; a barragem e hidrelétrica de Belo Monte,
no rio Xingu, em Altamira, no Pará; a Transposição das águas do rio São
Francisco; construção de vários portos e aeroportos e ampliação e modernização
de outros; fusão de grandes empresas que concentram cada vez mais o capital e
vão matando as pequenas empresas. Exemplos não faltam nas áreas de
telecomunicações, de aviação, das construtoras, dos grandes supermercados,
dentre muitos outros. Muitos pensam que esses projetos beneficiam todo o povo,
mas, na realidade, tratam-se de infraestrutura para viabilizar o crescimento do
capital, hoje primordialmente nas garras de empresas transnacionais. Quase
sempre esses grandes projetos são realizados por grandes empresas, mas por meio
de financiamento público, via BNDES[3].
A
chegada de um grande projeto é sempre envolvida por campanha publicitária
espetacular que anuncia estar chegando à região uma alavanca de desenvolvimento
social, geradora de emprego e que não irá causar grandes males à já tão sofrida
natureza, a biodiversidade e às pessoas. Chefes da política, da economia e até
da religião são cooptados e muita gente seduzida. Assim, a massa acolhe esses
projetos como se fossem benfeitores que trarão emprego e melhorias sociais,
mas, logo, descobre que se gera poucos empregos e, muitas vezes, em condições
análogas à de escravidão. Acontece o que ensina a fábula do Escorpião e o Sapo, que diz: um escorpião pede a um sapo que o leve através de um
rio. O sapo tem medo de ser picado durante a viagem, mas o escorpião argumenta
que não há motivo para o sapo temer tal traição, pois se picar o sapo, esse
afundaria e o escorpião da mesma forma iria junto afogar. O sapo concorda e começa a carregar o
escorpião, mas no meio do caminho, o escorpião, de fato, aferroa o sapo,
condenando ambos. Quando perguntado por que, o escorpião responde que esta é a
sua natureza. Isso mesmo: a natureza do capitalismo é aferroar vidas o tempo
todo e cada vez com mais veneno. O funcionamento do capitalismo exige expansão,
crescimento sem limites. Isso é impossível pois a natureza precisa de tempo
para se recuperar das agressões. A mercadoria, base da acumulação do capital,
destrói o ambiente e explora os trabalhadores. Portanto, não dá mais para
acreditar que na nossa caminhada na vida o capitalismo seja a melhor companhia.
Por
tudo isso, é um imenso desafio enfrentar o poder opressivo do capital diante
desses mega projetos. Voltando o nosso olhar atentamente para as narrativas
bíblicas, percebemos que o povo da Bíblia também experimentou na própria pele
as agruras de grandes projetos. Resgatar um pouco do que foram esses grandes
projetos e como o povo bíblico resistiu diante deles, talvez possa inspirar em
nós táticas e estratégias para o enfrentamento aos grandes projetos de hoje.
Isso é o que veremos nas próximas partes do Artigo “Grandes projetos na Bíblia
e a Resistência do Povo”.
Belo
Horizonte, 23 de junho de 2014.
[1] Eis aqui a 1ª parte
do Artigo publicado na Revista Estudos Bíblicos, Vol. 30, n. 120, out/dez 2013,
pp. 339-358.
[2] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; licenciado e bacharel em
Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese
Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma, Itália; doutorando em
Educação pela FAE/UFMG; assessor da CPT, CEBI, SAB e Via Campesina; conselheiro
do Conselho Estadual dos Direitos Humanos de Minas Gerais – CONEDH. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br
– www.freigilvander.blogspot.com.br
- http://www.twitter.com/gilvanderluis
- facebook: Gilvander Moreira
[3] Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. Mas o
“social” está esquecido, desenvolve-se o econômico às custas do social.
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