Natal com Jesus a
partir dos magos.
Gilvander Luís
Moreira[1]
No Evangelho de
Mateus, em Mt 2,1-12, está a narrativa da visita de magos a Jesus, passagem
exclusiva das comunidades de Mateus. Para Mateus foram os magos os que por
primeiro experimentaram a chegada do divino no humano. O Evangelho de Lucas, ao
invés de falar de magos, fala de pastores (Lc 2,1-20). Quem são esses magos? O
texto só diz que eles vêm do Oriente, de onde o dia nasce e a vida recomeça. Os
magos são pessoas sábias, porque viram a estrela que indicava o nascimento do
“rei dos judeus”. Os magos têm intenções contrárias às do rei Herodes, que
ficou alarmado e junto com ele toda a cidade de Jerusalém. Nem pela consulta às
Escrituras Herodes, os sumos sacerdotes e os escribas se dispõem a reconhecer o
divino no humano que acaba de nascer. Acontece então uma oposição muito
significativa: aqueles que detêm o conhecimento e o poder da religião oficial
ignoram a presença do divino em Jesus, criança pobre, sem-terra e sem-casa, enquanto
pessoas de outras culturas e práticas, que inclusive seriam condenadas pela lei
judaica, como a consulta aos astros, reconhecem o nascimento daquele que iria
testemunhar um caminho de libertação-salvação e, por isso, vêm ao seu encontro.
Os magos identificam
a estrela que indica Deus se humanizando em/a partir de Jesus. É interessante
que depois que os magos saem de Jerusalém a estrela reaparece e os conduz até o
lugar em que estava o menino. Curioso é que a estrela desaparece quando os magos chegam a Jerusalém, a capital, o
centro político, econômico e religioso! Mas não adianta buscar esta estrela
no céu. O texto faz uma ligação entre as atividades dos magos e a estrela que,
segundo a tradição judaica, deveria indicar o surgimento do messias. Assim se
lia naquela época o texto de Números 24,17: “um astro se levantará de Jacó e um
homem surgirá de Israel”.
Depois
de reconhecerem e admirarem o menino e de lhe oferecerem presentes, os magos
retornam por outro caminho a sua terra. Diz o texto que eles foram
avisados “em sonho” para que não voltassem a falar com Herodes. A missão de
Jesus é testemunhar um caminho de libertação-salvação para/com todos, inclusive
os pagãos, representados pelos magos. Mt 2,1-12 tem duas partes: Mt 2,1-5 e Mt
2,7-12. O v. 6 é o elo de ligação.
Em Mt 2,1-12 temos
Herodes contra Jesus, Jerusalém contra Belém. Para os magos, estrangeiros do
oriente, Jesus é "rei dos judeus" (Mt 2,2). Os magos reconhecem o
poder alternativo nascido em Belém (etimologicamente Betlehem, em hebraico, significa Casa do Pão), cidade do pastor Davi, que organizou os injustiçados
da sociedade para lutar por um governo justo. O verdadeiro rei dos judeus não é
violento como Herodes, é um recém-nascido, nascido sem-terra e sem-casa.
Segundo o 4º Evangelho, o de João, o nascido na “Casa do Pão”, se tornou Pão da
Vida para todos. Os magos intuem com sabedoria que o poder alternativo,
democrático, participativo e popular vem da periferia, dos excluídos, dos
pequenos. A estrela que guia os magos representa as intuições mais puras e os
anseios mais profundos da humanidade sedenta de justiça, paz e fraternidade.
Os magos vêem o
"menino com sua mãe". O
gesto de reconhecimento é acompanhado da oferta do que há de melhor em seus
países: ouro, incenso e mirra. Para os cristãos da época da Patrística, os
presentes oferecidos simbolizam a realeza (ouro), a divindade (incenso) e a
paixão de Jesus (mirra). Primeira atitude dos magos foi doar-se a serviço do
Salvador (= prostram-se) e, em seguida, põem à disposição de Jesus o melhor do
que eles possuem, seus dons.
Mais importante do
que discutir se os magos eram astrólogos ou se eram astrônomos, é perceber que
eram estrangeiros, sábios, perspicazes e muito sensíveis para captar a
divindade de Deus se revelando na humanidade mais frágil.
Herodes, o rei
sanguinário e opressor, tremendo de medo de perder o seu poder, tentou cooptar
os magos secretamente, tentou obter informações que o ajudasse a liquidar a
vida frágil. Herodes mentiu, fez propaganda enganosa, para tentar descobrir
onde estavam as forças de subversão ao seu poder tirânico. Mas as forças de
vida - o divino no humano - foram mais espertas fazendo os magos voltarem por
outro caminho e assim driblaram a armadilha de Herodes.
Os magos voltam por
outro caminho, com sabedoria. Atualizando uma profecia, isto é, fazendo midrash, Mt 2,12 recorda o profeta
anônimo de 1Rs 13,9-10: "Porque assim me ordenou o SENHOR pela sua
palavra, dizendo: Não comerás pão, nem beberás água e não voltarás pelo caminho por onde foste. E foi-se por outro caminho e não voltou pelo caminho por onde viera a
Betel".
Os magos romperam de
uma vez por todas com Herodes, rei opressor, e com Jerusalém, cidade tratada
como se fosse uma empresa. O sonho dos magos é a inspiração de que do poder
opressor nada nasce de bom para a sociedade. Os magos souberam mudar suas
perspectivas e sonhar um mundo novo. Experimentaram que um mundo diferente é necessário
e possível e, por isso, deve ser construído.
Celebrada dia 06 de
janeiro, a festa da Epifania, dos santos reis, nos ensina a olharmos o mundo atentamente
com benevolência, a sentir com o coração aberto e, com mãos solidárias,
percebermos que Deus está fazendo brilhar sua beleza no meio dos pobres e dos
desprezados. Aliás, o que acontece não é propriamente uma Epifania, mas uma Diafania. Em
grego, epifania significa manifestação
de Deus sobre, enquanto em grego, diafania
significa o brilho de Deus que perpassa e permeia tudo. Ou seja, tudo é
sagrado. A luz e a força divina permeia e perpassa tudo.
Em uma perspectiva
feminista, devemos perguntar: Já imaginou se os Magos fossem mulheres magas? O
que teria acontecido? Elas não teriam pedido informações a Herodes, mas às
crianças, prediletas de Jesus. Teriam chegado a tempo. Ajudariam no parto,
cuidariam do menino, limpariam o estábulo, fariam o jantar. Além disso, teriam
trazido presentes práticos e o mundo viveria em paz.
Mas ainda está em
tempo de construirmos um mundo de justiça e paz para/com todos e tudo que
integra a sinfonia da vida. Que nesse Natal e na virada do ano possamos
revigorar em nós o desejo e o compromisso de viver e conviver de um jeito
parecido com os magos do oriente ou como os pastores de Belém (Lc 2,1-20), que
eram os impuros e injustiçados da sociedade, mas foram eles que por primeiro,
segundo o Evangelho de Lucas, perceberam que o divino está nos visitando. Que
não sejamos cúmplices dos Herodes de plantão!
Belo Horizonte, MG,
Brasil, 20 de dezembro de 2013.
[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas;
licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo
ITESP/SP; mestre em
Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma; Doutorando
em Educação pela FAE/UFMG; assessor da CPT, CEBI, SAB e Via Campesina;
conselheiro do Conselho Estadual dos Direitos Humanos de Minas Gerais – CONEDH;
e-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br - www.twitter.com/gilvanderluis - facebook: Gilvander Moreira
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